Portanto, vá, coma com prazer a sua comida e beba o seu vinho de coração
alegre, pois Deus já se agradou do que você faz – Eclesiastes 9.7.
José Fulano de Tal morreu ontem. Pobre homem! Consciente dos seus deveres,
nunca atrasou no relógio de ponto. Jamais perdeu um trem. Era impensável
que acelerasse no sinal amarelo. Correto, pagou todas as suas prestações
na data exata. Vestiu a mesma camisa até puir o colarinho. Sempre elegeu o
candidato que votou. Leu o jornal diariamente. Teve um enterro comedido,
sem muita emoção, parecido como a sua existência.
José Fulano de Tal foi assíduo membro de uma igreja. Submeteu-se aos
regulamentos e exigências de sua religião - seu maior desejo na vida era
agradar a Deus. Trabalhou incansavelmente nos mutirões do bairro.
Contribuiu com entidades filantrópicas. Em sua última jornada, os amigos,
parentes e curiosos caminharam circunspetos pelas alamedas do cemitério..
Despediam-se de um homem que não conseguiu viver.
José Fulano de Tal deveria ter aprendido que para viver, basta gostar, mas
gostar mesmo, de poesia. No poema, a palavra ganha ritmo para
sincronizar-se com o pulsar do universo. E nessa magnífica, porém
silenciosa palpitação, ressoa a voz do Divino.
José Fulano de Tal deveria ter aprendido que para viver, basta achar tempo
para ouvir música. Quando melodia e rima se acasalam, nasce a sublime
sonoridade do Paraíso. O Pai Eterno sorri quando seus filhos se aquietam
para escutar os artesãos dos salmos, dos noturnos, das toadas, dos
réquiens, das cantatas, das óperas, das polcas, do samba, dos hinos, dos
recitais, dos corais, do jazz, da bossa-nova.
José Fulano de Tal deveria ter aprendido que para viver, basta amar os
livros. É prazeroso para Deus, ver os filhos transcendendo para mundos
imaginários através da prosa, da narrativa. Os romances dissecam a alma
humana, enaltecem a virtude, expõem a crueldade e quando não sofrem
censura, descrevem a realidade crua da vida.
José Fulano de Tal deveria ter aprendido que para viver, basta transformar
cada refeição em um ágape, cada aperto de mão em uma aliança e cada abraço
em uma declaração de amor.
José Fulano de Tal deveria ter aprendido que para viver, basta deixar-se
conduzir por um vento desatento, rumo ao horizonte inatingível; e esperar
por um porvir insubstancial. Já que Deus gosta de prados selvagens e de
matas sem cercas, viver é arriscar-se. Deus sabe desenhar o arco-íris com
as gotas do ribeiro que despenca no precipício. Portanto, só vive quem não
teme esvaecer.
José Fulano de Tal deveria ter aprendido que para viver, basta gostar de
vinho, de doce de leite, de tapioca com manteiga, de filme de amor, de
esporte, de meia hora de sono extra no feriado, de bolo de milho, de
cafuné, de beijo, de viagem de férias com dois dias sobrando para
descansar do descanso.
José Fulano de Tal deveria ter aprendido que para viver, basta chamar Deus
de Pai ou de Mãe.
Soli Deo Gloria.
Ricardo Gondin
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